O que é D20?

Uma pergunta que vem sendo feita com bastante frequencia ultimamente é: o que é esse tal de d20?
Bom, na minha época era um dadinho. Um icosaedro (se não me engano), um polígono espacial regular com vinte lados. Era aquele “dadinho diferente” que a gente mostrava quando queria despertar o interesse de alguém pelo RPG, mas que acabava ganhando tanto a atenção da pessoa que ela não se preocupava com o seu discurso sobre interpretação, teatro e catarse.
Mas hoje, o bendito d20 também é um sistema. Um sistema (dito) genérico, baseado fortemente nas regras do Dungeons & Dragons, e que cativou ou incomodou muita gente. Um sistema que revitalizou o mercado e que permite que outras empresas o utilize em seus livros. Um sistema que pode ter dominado o mercado ou ser apenas um “modismo”. De qualquer forma, o “tal sistema d20″ foi um cartada da Wizards of the Coast que não deixou ninguém indiferente.
Onde tudo começou
O primeiro RPG a ser criado foi o Dungeons & Dragons (ou D&D), lá pelos idos dos anos 70. Tinha regras simples, onde elfos e anões eram “classes” e não “raças” e todo o combate se resolvia com uma simples tabelinha. Eram regras fáceis, tão fáceis, que com o tempo a TSR (empresa que publicava o D&D) decidiu dar um passo adiante e lançar um jogo mais complexo, voltado para os jogadores antigos que estavam crescendo e podiam perceber o defeitos inerentes do sistema. Nascia ali o Advanced Dungeons & Dragons (ou AD&D) 1a. edição. No AD&D, elfos e anões eram raças (assim como humanos, meio-orcs, halflings e gnomos) e novas classes foram adicionadas (como o Ranger, o Barbarian e o Monk). Tudo parecia bem e o jogo durou bastante tempo.
Mas também tinha defeitos, o que obrigou a TSR a lançar uma segunda edição do consagrado jogo. Nascia a segunda edição, que iria perdurar do meio dos anos 80 até poucos anos atrás. A segunda edição era mais equilibrada, tinha se livrado de algumas coisas (como as classes de Monk e Barbarian) e outros detalhes incômodos da sua versão antiga.
Mas nada dura para sempre. Há pouco tempo atrás, a TSR (empresa que detinha os direitos sobre o D&D e AD&D) passava por um momento financeiro delicado e se viu na necessidade de ser incorporada pela Wizards of the Coast (uma empresa que dominou o mercado graças ao cardgame Magic: the Gathering e hoje é uma subsidiária da Hasbro Inc.). Com a compra da TSR pela Wizards, a decadência do Dungeons & Dragons perante a concorrência da White-Wolf (que com seu Vampire: the Masquerade cativava o mercado trazendo uma temática mais moderna) e o grande buraco que se criou no mercado RPGístico americano, se decidiu levar adiante um projeto que rondava os corredores da TSR e que era solicitado por fãs e profissionais do mundo todo: o Dungeons & Dragons 3a. edição.
“Hã? Mas não era ADVANCED Dungeons & Dragons?” Sim, mas por uma decisão de marketing e pelo desaparecimento do D&D original do mercado, a Wizards resolveu simplificar e o nome do jogo ficou sendo Dungeons & Dragons 3a. edição mesmo.
Até aí, nada de d20, certo? Errado. o D&D 3e. trazia uma novidade: a Licença de Jogo Aberto (ou Open Gaming License – OGL). Com ela é possível se utilizar do sistema do D&D 3e. para publicar livros, material na internet, softwares… sem pagar um centavo à Wizards of the Coast!
“Mas como? Eles ficaram malucos? Dando as coisas assim de bandeja?” Peraí! Não sejamos inocentes… A Licença de Jogo Aberto determina que as regras utilizadas devem ser as mesmas contidas nos livros básicos do D&D 3e. SEM QUE COM ISSO SE POSSA PUBLICAR ESSAS REGRAS. Isso quer dizer que para se jogar aqueles livros que utilizam o sistema d20, vc tem que comprar os livros da Wizards.
“Ah! Então eles te obrigam a comprar os livros, né?” Isso! Além desse fato, eles conseguiram fazer com que todas as empresas que iam publicar alguma coisa nova, mudassem para o d20.
“Ué? Porque eu ia querer lançar meu jogo com as regras de Dungeons & Dragons?” Porque todos preferiram lançar seus livros com um sistema já consagrado como o D&D ao invés de tentar lançar novos sistemas (e ter de convencer você a trocar de sistema para jogar). Ou você acha melhor correr o risco do seu sistema não agradar? Melhor ficar com o d20 e garantir que “pelo menos” o sistema vai ser bem aceito, né?
Outro objetivo que a Wizards conseguiu com essa estratégia foi o re-aquecimento do mercado que estava esfriando depois do fenômento Vampire: the Masqurade. Não só os antigos fãs estavam voltando ao RPG graças à intensa campanha de marketing da empresa, mas todo mundo que sempre quis lançar um livro de RPG, e tinha medo de concorrer com os “grandes”, resolveu publicar alguma coisa.
Como a licença foi lançada ANTES do primeiro livro (o Player’s Handbook), as empresas interessadas puderam se adiantar e lançar coisas antes mesmo que a Wizards lançasse. A Necromancer Games e a Green Ronin Publishing, por exemplo, lançaram módulos de aventura no mesmo dia em que a Wizards lançou o primeiro livro da terceira edição (Muito antes que a primeira aventura oficial chegasse às lojas).
“Mas eles GOSTAM de concorrência?” Lógico que não! Mas esse re-aquecimento do mercado só serviu para alimentar a própria máquina deles. Afinal, a Wizards tem mais cacife para produzir, divulgar e distribuir seus produtos do que qualquer outra empresa do mercado… A concorrêcia é relativa!
“Então o sistema d20 É o sistema do D&D 3a. edição, né?” Sim e não. Basicamente, sim. Tudo o que constar no SRD (System Reference Document – um documento que explica a licença e o que pode ser usado dela) pode ser utilizado. Hoje em dia, o SRD inclui, a grosso modo, as regras contidas no Player’s Handbook, Dungeon Master’s Guide e Monster Manual, além das regras do Psionics Handbook. Mas sempre é bom checar a licença com cuidado antes de se fazer qualquer coisa…
“E os outros livros da Wizards, como o Oriental Adventures, o Epic Level Handbook e o Sword and Fist?” Nada disso. É aí que a Wizards ganha dinheiro. Eles lançam muito material que não é aberto para uso. Você só pode utilizar o que estiver no SRD. Não importa se a Wizards lançou quinze livros para D&D…
“Pô! Sacanagem… A Wizards é má!” Não, não é. Eles são uma empresa como outra qualquer. Eles visam o lucro sim, mas produzem material de qualidade. É lógico que eles não são bonzinhos e por isso deixaram os outros usarem o sistema deles. É uma estratégia de marketing que rende frutos pra eles, mas que também acaba nos beneficiando. E quanto aos outros livros deles, eles não tem a menor obrigação de liberar o uso. É um produto deles e já é impressionante que possamos usar o que eles liberaram…
“Mas eu queria tanto usar a classe de Samurai do Oriental Adventures…” Aí é que está! Talvez você não possa usar a classe de Samurai do Oriental Adventures, mas você pode fazer a sua! É óbvio que se a sua ficar muito parecida com a deles, você vai acabar sendo acusado legalmente de utilização indevida, mas se ela for uma classe diferente, vc pode chamar de Samurai e pronto.
Isso aconteceu efetivamente no mercado de RPG lá de fora. Muitas empresas lançaram material que às vezes batia com o da Wizards, mas era diferente. A Mystic Eye Games, por exemplo, possui uma classe de Samurai para seu cenário (o The Hunt: Rise of Evil). As regras são diferentes e o samurai da Mystic Eye Games é um pouco mais poderoso que o da Wizards, mas o nome e o conceito são os mesmos.
Da mesma forma, várias empresas lançaram regras para navegação. Em especial, a Fantasy Flight Games (com seu Seafarer’s Handbook), a Mongoose Publishing (com seu Seas of Blood) e a Living Imagination (com seu Broadsides!). É uma concorrência saudável onde acaba vencendo quem produziu o melhor material. No caso acima, a Living Imagination é a menor das três empresas, mas arrancou vários elogios pelo seu conteúdo e acabou vendendo livros à beça.
Com essa possibilidade (antes inexistente) de concorrência por parte de empresas menores (e até de invíduos), o mercado cresceu. Hoje existem mais de cinquenta empresas produzindo material para o sistema d20 em todo o mundo. Muitas delas com mais de cinco produtos no mercado. Algumas, como a Mongoose Publishing, produzem mais livros por mês do que a própria Wizards!
Para abastecer esse mercado, pintaram muitas vagas para quem criava mas não tinha dinheiro para publicar. Basicamente, hoje em dia, basta escrever bem ou desenhar bem para arrematar uma vaga no mercado. Não só escritores e desenhistas, mas também cartógrafos, diagramadores, distribuidores, editores e muitos outros foram beneficiados com isso. E com tecnologias como a Internet, o mundo é o limite. Este que vos fala, por exemplo, entrou para o mercado dessa forma e hoje conto com aproximadamente 50 livros ilustrador por mim.
Muita gente “grande” como o Monte Cook (um dos escritores do Player’s Handbook da 3a.edição) perceberam o potencial do mercado e optaram por montar seus próprio negócios. O Monte Cook, por exemplo, pediu demissão da Wizards e montou sua editora, a Malhavoc Press, que hoje vende mais material em PDF do que muitas empresas que publicam livros impressos.
O alcance do d20 acabou atingindo até mesmo empresas grandes como a White-Wolf e a Alderac Entertainment Group (AEG). As duas empresas acabaram se beneficiando do sistema para lançar versões d20 de alguns clássicos e até alguns jogos novos.
Uma das desvantagens do tal sistema d20 é que tanta repercussão acabou abalando jogos consagrados que possuíam sistemas próprios. Dentre os mais criticados, Rokugan e 7thSea, ambos da AEG acabaram gerando livros para os dois sistemas. O jogo Deadlands, da Pinnacle Entertainment, traz regras para três sistemas (o seu próprio, d20 e GURPs!).
Como na opinião deste mero escritor de chuveiro (???) nenhum sistema é melhor do que aquele feito para o próprio jogo, o d20 acabou não satisfazendo as expectativas dos fãs mais radicais. Principalmente aqueles que se atinham ao fato do sistema de auto-denominar “genérico”. Mas a verdade é que o d20 vem se atracando bem com várias ambientações. Bons exemplos podem ser os jogos Spycraft da AEG (sobre espionagem, incluindo armas de fogo e veículos modernos), Dragonstar da FFG (sobre fantasia no espaço, com naves, robôs e armas laser) e o Forbidden Kingdoms da OWC (que traz para o d20 o cenário das novelas “pulp” americanas, como Doc Sacage, Alan Quartermain e Flash Gordon). Até mesmo o cenário de Super Heróis está sucumbindo ao “poderoso d20″, com jogos com o Vigilance (da Vigilance Press) , o Silver Age Sentinels d20 (da Guardians of the Order) e o aguardado Mutants & Masterminds (da Green Ronin).
Com isso em mente, a Wizards já preparou outra cartada para o fim deste ano. Em novembro, estará sendo lançado o d20 Modern, que traz regras para jogos modernos, incluindo armas de fogo, um sistema genérico de classes, veículos…. Tudo em conteúdo para jogo aberto. O documento inicial já está disponível para empresas que estejam interessadas e o mercado já anda se ouriçando com as possibilidades e promessas.
Bom ou ruim, instrumento benéfico ou planos do mal, mentalidade aberta da Wizards ou só mais uma cartada de marketing “daqueles malditos”, não cabe a mim dizer. Cada jogador deve ter sua opinião. Mas de todas as consequências que o sistema d20 possa ter trazido ao mercado, uma coisa é certa: é muito difícil ficar indiferente a ele!

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